Tragédia está entre os maiores desastres naturais do país; 450 morreram.
Parte da Serra do Mar deslizou sobre a cidade no dia 18 de março de 1967.
Passado meio século, as lágrimas escorrem no rosto de Dona Vera Lúcia
ao se lembrar do dia, quando, praticamente toda uma cidade também
escorreu pela Serra do Mar. Foi na manhã do dia 18 de março de 1967.
Dona Vera estava na mesma casa onde mora hoje, no sopé do morro do
Benfica, em Caraguatatuba. O local foi um dos mais de dez bairros
atingidos atingido por um dos maiores deslizamentos de terra já
registrados no Brasil. “Eu vi o morro descer. Lembro exatamente de tudo,
foi horrível”, conta Vera.
Segundo a prefeitura de Caraguatatuba, o desastre, conhecido como
hecatombe, deixou cerca de 450 pessoas mortas, segundo registros
oficiais. Outras três mil pessoas perderam suas casas. “Chovia há dias
sem parar. Eu estava saindo de casa, com duas amigas, quando a lama
começou a descer. Eu fiquei no meio de toda aquela lama e não sai dali o
dia todo. Tentei ajudar a salvar muita gente, mas não consegui”, lembra
dona Vera ao mesmo tempo em que parece querer esquecer a cena vivida.
Naquela data, foram 13 horas seguidas de chuva e deslizamentos. "Eu
pisava na lama e acabava pisando até na cabeça, no corpo de alguém. Eu
sabia que tinha gente embaixo da lama e tentava ajudar". Cerca de 30 mil
árvores desceram das encostas dos morros em torno de Caraguá,
destruindo, inclusive, parte da antiga rodovia dos Tamoios. A cidade
ficou ilhada por três dias, sem luz e sem energia, virando manchete nos
principais jornais do país.
Um dos maiores desastres naturais do país, tragédia em Caraguá faz 50 anos (Foto: Arquivo Municipal de Caraguatatuba)
Militares e médicos
O coronel reformado Oliveira Júnior, atuava como tenente da Polícia
Militar pelo Batalhão de Taubaté na época do ocorrido e se recorda da
mensagem recebida por rádio amador. Minutos depois, foi um dos
responsáveis por recrutar as tropas do Vale do Paraíba para prestar
socorro às vítimas.
"Equipes de Santos e do Vale do Paraíba partiram para Caraguá, tanto
por terra ou por mar. Como o acesso estava impedido, utilizamos
caminhões para chegar a cidade. Foram muitas esquipes chegando apenas
dois dias depois, em um trabalho que demandou muito tempo. As casas
estavam soterradas e toda a população estava desesperada. Ficamos 40
dias realizando os trabalhos", conta.
Equipes do Exército e do Departamento de Ciência e Tecnologia
Aeroespacial (DCTA), de São José dos Campos, também colaboraram nas
ações de socorro utilizando, inclusive, helicópteros para conseguir ter
acesso ao município. Na época, o Estado de São Paulo sequer contava com a
Defesa Civil e o próprio órgão reconhece que a tragédia foi um dos
motivos para a criação do departamento, cerca de dez anos depois, para
ajudar na coordenação de situações de extrema urgência.
O médico aposentado Dr. Keiti Nakamura, era um dos plantonistas que
fazia atendimento na Santa Casa da Cidade no dia do acidente. Ela conta
ter sentido, de dentro do hospital, a terra tremer no dia do
acontecimento. "A enxurrada veio de uma vez só e deixou a Santa Casa
Ilhada. A água levou uma ponte sobre o Rio Santo Antônio e ficamos o dia
todo ilhado. Atendi os primeiros pacientes que chegavam", conta. A lama
não livrou nem mesmo o hospital e os pacientes que estavam internados
tiveram que ser removidos para o último andar do prédio onde ficava a
clausura das irmãs que administravam a unidade hospitalar.
Tragédia em Caraguatatuba deixou cerca de 450 mortos (Foto: Arquivo Municipal de Caraguatatuba)
Reconstrução
A professora universitária Shirley Cabarite, de 60 anos, lembra-se de
correr com a família para a igreja do centro da cidade, onde
permaneceram durante todo o dia para fugir da lama. Ela conta que, após o
ocorrido, se estendeu um clima de solidariedade pelo município. "Quem
tinha alimento dividia, dividia água. Um foi ajudando o outro e acho que
isso foi abrandando a gravidade da época. A partir daquele dia, muitos
curiosos foram atraídos para a cidade também e ajudou a trazer o turismo
para cá. Eu nunca imaginaria Caraguá como é hoje”, afirma.
Segundo o historiador Alexander Palaiologos, diretor da Fundação
Educacional e Cultural de Caraguatatuba (Fundacc), a cidade tinha cerca
de 15 mil habitantes na época da tragédia e mudou completamente após a
tragédia. Hoje, Caraguá conta com mais de 110 mil moradores, com um dos
maiores fluxos de turistas do litoral paulista "Houve uma bravura desse
povo da cidade, para reconstruir da cidade. Hoje, é a maior cidade do
litoral norte. Caraguatatuba recusou-se a morrer, principalmente pela
bravura desse povo", afirma Palaiologos.
Situação Atual
Nesta mesma semana dos 50 anos da tragédia, Caraguá sofreu novamente com enchentes e deslizamentos de terra. A situação deixa dezenas de desabrigados, todos levados para abrigos da prefeitura.
Segundo a prefeitura, ao longo do ano, o monitoramento das áreas de
risco é feito diariamente com vistorias presenciais e trabalho com
acompanhamento dos índices pluviométricos diários, previsão do tempo
(diária e de cinco dias), tábua de marés e chuvas no alto da serra.
Daniel CorráDo G1 Vale do Paraíba e Região